por Rodrigo Szymanski
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Confira a entrevista exclusiva que o Cocal Comunitário fez com a professora de Direito e integrante do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC) Fernanda da Silva Lima. O assunto é o Estatuto da Juventude e políticas públicas para juventude.
Cocal Comunitário: A presidente Dilma sancionou o Estatuto da Juventude. Foram mais de nove anos de debates com a sociedade civil. Como se deu este processo de construção do estatuto?
Fernanda da Silva Lima: A história de luta por direitos para a juventude e por direitos para crianças e adolescentes se confundem na historiografia brasileira. Talvez a grande diferença entre eles tenha acontecido em decorrência da promulgação da Constituição Federal de 1988. Constituição esta caracterizada por incluir novos direitos, vindos da pauta de reivindicações dos principais movimentos sociais do país. À exemplo do Movimento Negro, Movimento de Mulheres, Movimento Indígena, Movimento Criança Constituinte e Pastoral da Criança, entre outros, que entre as suas lutas particulares requeriam a volta da democratização ao país e uma efetivação de direitos fundamentais. Logo, a Constituição Federal de 1988 assegurou os direitos inerentes à infância em seu artigo 227, inserindo a Doutrina da Proteção Integral, de proteção à infância, já adotada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança da ONU. O texto constitucional remeteu proteção exclusiva às crianças e adolescentes, deixando a regulamentação do texto constitucional para a Lei nº 8,069/1990 conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, que foi responsável por fazer a classificação etária, reconhecendo na categoria de crianças e adolescentes os menores de 18 anos no Brasil.
Esse foi o cenário de proteção da infância alcançado ao final da década de 1980 e início dos anos 1990. No entanto, os direitos de juventude não entraram na Constituição Federal durante a constituinte, o que me pareceu um erro grave, porque os movimentos sociais já existiam no período. Considerando essa ausência de previsão de direitos no texto constitucional, começa a partir da metade da década de 1990 a surgir no cenário nacional projetos para a juventude, para aqueles que estavam na faixa etária acima dos 18 anos de idade e que precisavam de uma proteção específica, principalmente por parte do Estado no que tange as políticas públicas. Diversos indicadores sociais (PNAD/IBGE) constataram que havia um alto índice de jovens na população brasileira entre os 18 e 29 anos de idade, que viviam uma completa invisibilidade. Invisibilidade nas políticas públicas, invisibilidade nos espaços públicos, invisibilidade no cenário político, econômico, social... Enfim havia uma marginalização da juventude, no sentido literal da palavra.
Os trabalhos de ONGs (Organização Não Governamentais) foram de extrema importância no período, pois preenchiam a lacuna da invisibilidade deixada pelo poder público, executando políticas em âmbito local.
Infelizmente, somente neste século o poder público começou a dar devida atenção à questão da juventude. Em 2004 foi realizado um Diagnóstico Nacional da situação dos jovens no Brasil e no mesmo ano foi criado o Grupo Interministerial, formado por 19 ministérios, responsáveis por analisar os programas existentes para a juventude brasileira em âmbito governamental e deliberaram pela necessidade de criação de um Plano Nacional de Juventude (SNJ) e ainda em 2004 foi proposto em discussão no Congresso Nacional o Estatuto de Juventude (PL-04529/2004).
Em 2010 a Emenda Constitucional nº 65 alterou a redação da Constituição Federal de 1988 e incluiu a categoria “jovem” no artigo 227, que até então era exclusivo para os direitos de crianças e adolescentes. A nova redação do texto legal ficou assim: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
No entanto, me parece que a inclusão do jovem na redação do artigo 227 foi o primeiro equívoco, pois a proposta de proteção integral à crianças e adolescentes e a conquista de direitos para a juventude se apresentam de forma diferenciada, principalmente porque as crianças e adolescentes de fato estão numa situação mais vulnerável de proteção em razão da pouca idade e, em segundo lugar, porque abriu margem para as confusões de classificação etária.
Acredito que poderiam ter criado o artigo 227-A e não misturar as duas áreas, pois o sistema de proteção para crianças e adolescentes será diferente do sistema de proteção para os jovens. Exemplo é o órgão do Conselho Tutelar, que continuará atendendo apenas as demandas da infância e adolescência, não se estendendo aos maiores de 18 anos.
O artigo 227 em seu parágrafo oitavo informa que seria necessário regulamentar o texto constitucional no que se refere aos direitos de juventude com a criação de um instrumento próprio e que foi aprovado finalmente em 5 de agosto deste ano, através da Lei nº 12.852/2013.
Dados justificadores da necessidade de criarmos no âmbito nacional políticas de juventude:
- 6,5 milhões de jovens não estudava, nem trabalhava em 2006 (PNAD 2006);
- Quase metade dos desempregados era jovem (IBGE, 2007);
- 32,8% dos jovens, entre 18 a 24 anos abandonaram a escola sem concluir a educação básica e apenas 12% frequentam o ensino superior (IBGE 2009),
- Em 2006, do total de mortes de jovens do sexo masculino, 77% foram por causas externas, principalmente fruto de homicídios.
Cocal Comunitário: Qual a importância de um estatuto da Juventude para a Juventude Brasileira? Existe necessidades de políticas públicas para a juventude hoje em dia?
Fernanda da Silva Lima: Eu sempre afirmo que a garantia dos direitos da infância, da adolescência e da juventude e sua efetividade devem caminhar junto com o investimento em políticas públicas por parte do Estado.
Infelizmente este processo é muito lento.
Em 2004, o Grupo Interministerial, a que já me referi, deliberou pela Política Nacional de Juventude e lançou à época nove desafios, quais sejam: “1) ampliar o acesso ao ensino e a permanência em escolas de qualidade; 2) erradicar o analfabetismo; 3) preparar para o mundo do trabalho; 4) gerar trabalho e renda; 5) promover uma vida saudável; 6) democratizar o acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da informação; 7) promover os direitos humanos e as políticas afirmativas; 8) estimular a cidadania e a participação social; e 9) melhorar a qualidade de vida no meio rural e nas comunidades tradicionais.
Algumas dessas medidas foram sendo inseridas gradativamente no cenário nacional, à exemplo da luta pela erradicação do analfabetismo e a ampliação e garantia de acesso à educação que se tornou possível com a ampliação do Ensino de Jovens e Adultos – EJA, embora saibamos que ainda é necessário aperfeiçoar o programa. Outro exemplo são as políticas de ações afirmativas, sendo implantadas também no âmbito da educação, como o PROUNI (11.096/2005) e a aprovação da Lei de cotas (Lei nº 12.711/2012), que dispõe sobre reserva de vagas por recorte social e étnico-racial nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.
No entanto as demandas continuam as mesmas e quem sabe até tenham aumentado, tornando, portanto extremamente necessário um instrumento como o Estatuto de Juventude que desse visibilidade à questão da real necessidade de investimento em políticas públicas para os jovens.
Como sabemos, não basta apenas o avanço da lei. Foram anos de debates até que conseguimos aprovar o Estatuto de Juventude. Agora a luta continua para que possamos de fato efetivá-lo e não deixar que este instrumento jurídico se constitua em letra morta. Por isso, a mobilização para a temática e a conscientização da sociedade é uma tarefa que julgo importante.